Autor: José Ribamar dos Santos Ferreira Júnior
Universidade de São Paulo
Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP-Leste)
Aspectos gerais
O papilomavírus humano (HPV) possui DNA como molécula replicadora e apresenta mais de 100 sorotipos. Seu alvo são as células-tronco adultas localizadas na camada basal do epitélio. O HPV é transmitido por contato direto via microferida ou abrasão, sendo doença sexualmente transmissível. Após o contato, o vírus pode incubar-se nas células basais de 1 a 20 meses (média de 3 meses), quando então começa sua proliferação. Durante o curso da replicação viral podem surgir fenótipos bem claros de sua presença (condiloma acuminado – verrugas genitais) e isso pode levar a complicações como câncer de colo uterino (causado por 15 sorotipos), papiloma de laringe em imunodeprimidos e em lactentes, após passagem pelo canal de parto. O risco de câncer é baixo para verrugas genitais, mas é alto na manifestação subclínica ou latente, quando a doença produz neoplasia interepitelial cervical que pode evoluir para câncer cervical – a terceira causa mais comum de câncer na mulher em todo mundo.
Fatores re-risco
Os fatores de risco para infecção por HPV incluem i) múltiplos parceiros sexuais, ii) sexo em idade precoce, iii) sexo sem preservativos frequentemente (a eficácia dos preservativos contra o HPV é de 70%, porque ainda há contato dos fluidos com a pele), iv) histórico de infecções transmitidas sexualmente e v) tabagismo (mais de 10 cigarros por dia em homens e mais de 20 em mulheres).
Diagnóstico
O HPV pode ser detectado em três formas: clínica, subclínica e latente. Na forma clínica observam-se as verrugas genitais, causadas pela excessiva proliferação das células-tronco do epitélio basal. Na infecção subclínica deve-se realizar biópsia com colposcópio e procurar pelo efeito citopático característico com auxílio de microscópio de campo claro (células multinucleadas, indicando fusão celular). A manifestação latente só é detectada por métodos moleculares como a reação em cadeira da polimerase (PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction), que amplifica o HPV-DNA, o qual é visualizado em eletroforese em gel de agarose. Se não há efeito citopático visível, a banda de DNA visualizada é evidência de que o DNA do vírus integrou-se no genoma das células basais e isso pode levar ao câncer cervical.
O câncer cervical pode ser descrito pelo história natural de seu progresso no epitélio basal. Em geral, quando a mulher é jovem (por volta dos 20 anos) e tem contato com o HPV, seu epitélio basal é infectado e pode haver infecção do colo do útero. Neste momento, pode-se detectar anomalias citológicas leves (fusão celular) , as quais sofrem depuração pelo sistema imune. Instalado no genoma das células do epitélio basal, o vírus permanece latente por cerca de 10 a 20 anos, quando progride para pré-câncer (que raramente sofre depuração). A multiplicação descontrolada dessas células leva à neeoplasia invasiva e formação de lesão displásica (pré-câncer), que evolui para câncer. Em geral, o momento mais adequado para se realizar diagnóstico do pré-câncer é dos 30 aos 40 anos de idade; logo,mulheres que foram diagnosticadas com verrugas genitais na fase jovem da vida devem fazer exames periódicos neste período.
Formas de evasão do sistema imune
A maioria dos indivíduos infectados por HPV desenvolvem anticorpos que depuram a infecção, mas o vírus dispõe de várias estratégias para escapar do sistema imune: i) o HPV não é um vírus citolítico e isso reduz a resposta inflamatória, ii) o genoma viral codifica proteínas que impedem a resposta antiviral do interferon do tipo I, iii) como os queratinócitos infectados não liberam citocinas, não há ativação das células Langerhans que rastreiam as camadas do epitélio, iv) o vírus produz proteínas que interrompem o tráfego intracelular de vesículas que enviam o complexo MHC tipo I para a membrana plasmática e isso permite o escape da ação das células T citotóxicas CD8+; as células matadoras naturais estão em quantidade extremamente reduzida acima da membrana basal, onde residem as células-tronco adultas dos queratinócitos, e, finalmente, v)a localização em região avascularizada facilita a evasão e aumenta inacessibilidade das células do sistema imune.
Tratamento
O tratamento do HPV pode ser realizado por métodos químicos e métodos físicos. Os métodos químicos incluem cauterização com ácido tricloroacético (80-90%) ou aplicação de podofilina (10-20%). A podofilina é obtida de extrato de plantas como Podophyllum peltatum e Podophyllum emodi; ela interfere na replicação celular e por isso é não deve ser utilizada durante a gravidez, por ter ação teratogênica. De fato, nenhum método químico é recomendado a gestantes, que são tratadas de infecção por HPV usando-se métodos físicos (criocauterização ou eletrocauterização com bisturi elétrico – este último método requer muita cautela no uso, porque há evidência de indução de aborto em casos raros).
A infecção por HPV e o câncer cervical podem ser prevenidos através de vacinas, com esquema de vacinação 0, 1, 2 e 6 meses, contra os sorotipos 16 e 18, que mais causam câncer. Um estudo clínico duplo cego longitudinal (acompanhamento de 11,3 anos), realizado com 91 participantes de 15 a 21 anos de idade, mostrou que a incidência cumulativa de infecção do grupo tratado com a vacina (HPV16/18) não ultrapassou 4% em comparação ao grupo placebo que chegou a 29%.
O HPV é um vírus cuja vacina é altamente recomendada, dada as consequências devastadoras de um câncer cervical altamente invasivo. Sua manifestação mais comum (condiloma acuminado)é tratável e sinaliza para acompanhamento da infecção latente por vários anos. A disseminação das informações sobre transmissão, diagnóstico, tratamento e vacinação poderão trazer benefícios a inúmeras mulheres da população brasileira.
Consulta bibligráfica
Juckett G, Hartman-Adams H. (2010) Human papillomavirus: clinical manifestations and prevention. Am Fam Physician 82:1209-1214.
Teixeira, CSC; Teixeira, JC; Oliveira, ERZM; Machado HC e Zeferino, LC (2017) Detection of High-Risk Human Papillomavirus in Cervix Sample in an 11.3-year Follow-Up after Vaccination against HPV 16/18. Rev Bras Ginecol Obstet. 39:408-414. doi: 10.1055/s-0037-1604133.