Olá caro leitor,
Estamos postando mais uma matéria no blog da Rev. PelleSana com umm texto super interessante sobre células tronco. A ciência avança cada dia e quem sabe chegará o momento em poderemos trocar de pele?
Agradecemos as autoras pela colaboração com no blog da Revista Pelle Sana.
Boa leitura. Leia, comente e compartilhe.
Agradecida,
Dra Beatriz F. Alves Yamada
Editora Chefe
Entendendo a pele a partir de células-tronco: as potencialidades e limites do modelo in vitro”
Jeniffer Farias dos Santos, Myrian Pruschinski Fernandes e Viviane Abreu Nunes
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo
Jennifer Farias dos Santos é doutoranda no programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade de São PauloMyrian Pruschinski Fernandes é mestranda no programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade de São Paulo
A pele é o manto de revestimento do organismo, indispensável à vida, e isola os componentes orgânicos do meio exterior. Constitui-se de uma complexa estrutura de tecidos de várias origens e apresenta funções relacionadas à reserva alimentar, isolamento térmico, excreção, entre outras. A pele compõe-se, essencialmente, de três camadas: a epiderme, a derme e a tela subcutânea.
A epiderme é a camada externa e está em contato direto com o meio ambiente. Ela é formada, majoritariamente, por um arranjo ordenado de células denominadas queratinócitos, capazes de sintetizar queratina. As células da epiderme são de origem ectodérmica e apresentam-se dispostas em camadas, também chamadas de estratos, que, de dentro para fora, recebem os nomes de germinativa ou basal, espinhosa, granulosa e córnea.
Ao deixar a camada basal, os queratinócitos iniciam um complexo processo de diferenciação terminal, envolvendo mudanças morfológicas e bioquímicas, à medida que são impelidos, sucessivamente, para as camadas mais superficiais pela produção de novas células. Estima-se que a epiderme humana se renove de 15 a 30 dias.
Durante o processo de diferenciação, os queratinócitos expressam diferentes tipos de proteínas, dentre elas, a involucrina, a filagrina e as citoqueratinas, que apresentam distribuição específica para cada estrato da epiderme, o que permite serem utilizadas como marcadores de diferenciação. No processo normal de diferenciação epidérmica, todas essas proteínas são expressas de maneira orquestrada.
O processo de proliferação e diferenciação dos queratinócitos precisa estar em equilíbrio também com a descamação da epiderme na camada córnea, porém, em determinadas condições patológicas ou traumas da pele, como é o caso de queimaduras, a dinâmica entre os processos de proliferação e diferenciação é afetada, podendo ocorrer perda da funcionalidade da pele.
Estima-se que em um ano cerca de um milhão de pessoas sofram queimaduras no Brasil. As manifestações físicas, psicológicas e psicossociais decorrentes da gravidade da queimadura podem comprometer a qualidade de vida dos pacientes queimados no curto e longo prazo, sendo um problema relevante na saúde pública.
Atualmente, a engenharia de tecidos tem sido importante aliada no tratamento de queimaduras graves, tanto para incorporar substitutos de pele, como para propor adjuvantes que acelerem a reconstituição epidérmica. Em muitos casos, são usados enxertos de pele, especialmente quando as vítimas sofrem de graves lesões que causam danos permanentes ao tecido. Autoenxertos (enxertos de pele da própria vítima) ou aloenxertos (de outro indivíduo) também são utilizados para acelerar o processo de cicatrização das queimaduras. No entanto, os mecanismos de cicatrização das feridas após o transplante do aloenxerto não estão bem caracterizados. Além disso, o uso de autoenxertos não é viável em casos de pacientes muito debilitados ou em lesões muito extensas, limitando seu uso clínico.
Nesse contexto, emergem as células-tronco, cujo potencial de autorrenovação e a capacidade de originar linhagens celulares com diferentes funções têm impulsionado pesquisas sobre as aplicações terapêuticas dessas células.
O transplante de células-tronco para o tratamento de doenças tem-se mostrado eficiente, com baixos índices de reação imune significativa do hospedeiro. Devido essa propriedade pouco imunogênica, elas representam uma interessante estratégia para a medicina regenerativa, em condições, por exemplo, em que as células do próprio paciente não são adequadas para abordagens relacionadas a doenças genéticas ou em pacientes debilitados.
Uma importante fonte de células-tronco é representada pelo cordão umbilical humano. A coleta dessas células envolve um procedimento simples, seguro e indolor, dependendo apenas do consentimento materno, o que constitui uma vantagem frente a outras fontes de células-tronco adultas. A coleta do cordão se faz na ocasião do nascimento do bebê, sendo essa a única oportunidade para a realização do procedimento. Especificamente, as células-tronco mesenquimais (CTM) do cordão são imunologicamente mais imaturas do que de outras fontes, ocasionando, por exemplo, menor frequência de doença do enxerto contra hospedeiro, principal complicação pós-transplante de medula entre não-aparentados idênticos ou parcialmente idênticos.
Estudos envolvendo a exploração das potencialidades de CTM do cordão umbilical mostraram que essas células são capazes de se diferenciar em distintos tipos celulares.
Em 2015, pesquisadores evidenciaram a transdiferenciação in vitro das CTM do cordão umbilical em queratinócitos, usando um microambiente tridimensional similar à pele. In vivo, esse arcabouço mostrou melhora na regeneração de feridas, obtendo resultados promissores para a medicina regenerativa.
Também já foi demonstrado que CTM derivadas da medula óssea se diferenciaram em queratinócitos, tanto in vitro como in vivo. Essas células, além da capacidade de se transdiferenciarem, recrutaram outros queratinócitos por meio da sinalização de diferentes quimiocinas, auxiliando na reparação de feridas na pele.
Para entender melhor como o microambiente pode afetar o processo de diferenciação da epiderme, diferentes modelos têm sido utilizados, sendo um deles o modelo animal. Apesar disso, em 11 de novembro de 2015, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA – publicou no Diário Oficial da União nº 215, seção 3, uma resolução que obriga fabricantes de cosméticos e laboratórios farmacêuticos a empregarem métodos alternativos à utilização de animais na pesquisa. Portanto, o uso de animais na pesquisa tende a ser substituído por modelos in vitro.
Modelos bidimensionais in vitro são amplamente utilizados na pesquisa, porém, eles não mimetizam as características arquitetônicas, o comportamento e fenótipo celular como um tecido, assim, para superar esses limites, modelos tridimensionais (3D) in vitro têm ganhado grande destaque na bioengenharia tecidual.
O modelo tridimensional de pele mais antigo, e ainda utilizado, trata-se de queratinócitos co-cultivados com um equivalente dérmico, constituído por fibroblastos, em uma interface ar-líquido, a qual permite a estratificação dos queratinócitos em um processo similar ao que acontece na pele humana. A cultura dos queratinócitos nessa interface faz com que as células estejam mais expostas ao oxigênio, diferenciando-se completamente.
Recentemente, a matriz extracelular, que dá o suporte à diferenciação dos queratinócitos, também vem sendo mimetizada por polímeros biodegradáveis chamados scaffolds. Estudos demonstraram que scaffolds são capazes de criar um microambiente favorável à regeneração, promover a remodelação do tecido, além de atuar como um modelo que induz a reparação funcional da pele, osso, coração, pulmão, dentre outros órgãos.
Nesse contexto, alguns estudos têm proposto o uso de CTM cultivadas em scaffolds para tratamento de doenças dermatológicas. Alguns pesquisadores, ao cultivar CTM do cordão umbilical sobre scaffolds de poliprolactona com aloe vera, mostraram que essas células passaram a expressar proteínas específicas de queratinócitos, além de outras que auxiliam na cicatrização de feridas, quando submetidas à transdiferenciação.
Apesar desses resultados promissores, os tratamentos com os scaffolds hoje disponíveis são insuficientes para promover a recuperação dos pacientes, especialmente em casos de grandes queimaduras e feridas crônicas. Além disso, embora os estudos realizados até o momento abram perspectivas para uso das CTM na medicina regenerativa na área dermatológica, os mecanismos moleculares e as vias de sinalização que regulam a diferenciação normal das CTM em queratinócitos in vivo ainda não estão esclarecidos.
Nesse contexto, a produção de um modelo de epiderme que mimetize o processo de diferenciação fisiológica, com perspectivas de uso na regeneração da pele em grande escala, é um campo importante para a engenharia tecidual, que deve ser considerado na pesquisa.